domingo, 17 de outubro de 2010

NEGOCIAÇÃO COLETIVA E O RETRATO DO SINDICALISMO

A ideia da negociação coletiva tem uma lógica interessante, porém, supõe a participação e mobilização da coletividade. Negociação entre donos de empresas e donos de sindicatos vira negociata.
A razão do surgimento do Estado, segundo as principais teorias, foi a necessidade de um aparato capaz de mediar a luta de classes entre proprietários e despossuídos. Sem o Estado, em momentos de crise, a luta entre os dois grupos poderia ter resultados trágicos para algum dos lados. 
O 1º problema é que o Estado não foi criado por algum ser superior, de fora da sociedade - nem poderia ser. O Estado foi criado dentro da e na sociedade, dividida em classes. O segundo problema é que ele foi criado pela classe dos proprietários, sob sua ótica e controle, para servir a seus interesses, fingindo-se instância superior e neutra. 
Por pressão massiva dos despossuídos, o Estado deixou de ser absolutista, dando lugar ao Estado Democrático de Direito cujo controle é disputado pelas duas classes sociais e, vez que outra, a classe trabalhadora tem oportunidade de assumir parcelas importantes do poder de governo.
Porém, o governo não é a única forma de exercício de poder da classe trabalhadora, nem deveria ser a principal, pois, como dito, o Estado foi criado pelos proprietários para desviar o foco da luta direta e defender seus interesses. Não deveríamos deixar que os patrões acumulem e concentrem a renda para que, depois, o governo tenha que correr atrás do prejuízo e tentar redistribuir. A luta de classes está instalada no chão de fábrica, nas desigualdades do campo e no seio de cada cidade ou vila, onde hajam proprietários e despossuídos. A luta de classes está instalada em todo lugar onde haja pessoas que vivem do seu trabalho, sendo exploradas por pessoas que vivem do trabalho alheio.
Como na segunda metade do século passado houve um posicionamento explícito do Estado brasileiro a serviço do capital e das pessoas da elite, que vivem do trabalho alheio, sentindo-se desprotegidos os trabalhadores trataram de avançar no exercício direto do poder, organizando-se em movimentos com bandeiras concretas, enfrentando seus patrões, paralisando as fábricas e exigindo salário justo, jornada de trabalho decente e respeito. As décadas de 1970 e 1980 foram os tempos áureos dessas mobilizações. Além de conquistar vários direitos a classe trabalhadora, que vive do seu suor, balançou e começou a minar as estruturas de poder governamental sob domínio da elite, ganhando alguns municípios, depois alguns estados e, finalmente, em 2002, o governo central, elegendo Lula presidente.
Infelizmente, ao ganhar o governo federal, em 2003, a organização de classe dos trabalhadores brasileiros já estava completamente fragilizada e sem representatividade. Os dirigentes, em sua quase totalidade, envelheceram nos gabinetes, agarrados nas estruturas e nos cargos que viraram vitalícios, cada vez mais distantes das bases, do chão da fábrica ou das comunidades do campo. O perfil do dirigente sindical de 2000 em diante não é o mesmo que era no final da década de 1970, quando os líderes surgiam, de fato, do calor dos debates e das lutas concretas do coletivo de trabalhadores. Viraram rascunho de burocratas, achando que saliva, discurso desatualizado e compadrio com os patrões enchem barriga de operário.
O dirigente sindical do século XXI fala em causa própria e negocia por sua própria cabeça, de acordo com os seus interesses, nem sempre muito louváveis. E muitos dirigentes são os mesmos do final da década de 1980 ou 1990 que, no início, até tiveram alguma greve no currículo e, hoje, usam essa relíquia póstuma para justificar sua manutenção no cargo. Afastados da categoria, passam mais tempo falando e recebendo ordens dos patrões do que ouvindo e dialogando com os representados. Sem contar dos casos em que o "presidono" do sindicato nem pertence mais à categoria que deveria representar.
Negando a luta de classes e a história da classe trabalhadora brasileira, os atuais ilustres e "experientes" dirigentes sem dirigidos falam em nome da categoria de sua entidade, a partir de assembleias fantasmas, realizadas com qualquer quorum (muitas vezes com menos de 1% da categoria). As grandes assembleias de então, que enchiam estádios, viraram reunião de amigos.  Nessa conjuntura, na melhor das hipóteses, negociação coletiva vira piada prá fazer rir os patrões. Na pior, vira oportunidade para os presidonos das entidades de classe barganharem vantagens pessoais, favores e aumento de patrimônio pessoal. 
O raio-X dessa cena é vergonhoso e é lamentável que um instrumento como a negociação coletiva, forçada por lei, tenha se convertido nessa calamidade, salvo honrosas exceções que só ocorrem onde há ainda algum resquício de sindicato autêntico e de movimento de trabalhadores.
Em Caçador, por exemplo, há bem pouco tempo, os empregados de uma empresa tiveram de enfrentar sozinhos mais de meio ano sem salário... Mas, isso é pouco se considerar que têm enfrentado uma vida inteira sem sindicato. Nesse episódio específico ficou claro, mais uma vez, que o que precisa existir é organização, união e mobilização dos trabalhadores. O sindicato é uma ferramenta, necessária ou não. Do jeito que é hoje está mais para prejuízo do que para apoio e das mesas de negociação, já se sabe o que podemos esperar. É por isso que vai demorar surgir um novo Lula que, certamente, seria ainda melhor se tivesse chegado a presidente em 1989.

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