domingo, 17 de outubro de 2010

FÉ E POLÍTICA

Considero que as igrejas têm um papel importante - e o exercem - na formação e educação política de seus fiéis e seguidores. Padres, bispos, pastores, gurus, missionários, pai de santo e todas as outras denominações de líderes de igrejas, são formadores de opinião que gozam de forum e status privilegiado. Além de impôr seus monólogos - porque em suas pregações, discursos ou sermões não há direito a questionamento ou debate - falam como representantes de Deus na terra. 
Na visão de seus fiéis seguidores tais líderes estão investidos de poderes divinos, transcendentais e, portanto, inquestionáveis. Tudo o que falam é digno de fé.
Essa posição não deve ser desmerecida, nem diminuída. Pelo contrário. É preciso ser tomada nos termos em que a própria Bíblia coloca: "A quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá."(Lucas 12, 48). Ocupar uma posição dentro da hierarquia das igrejas implica ter consciência da responsabilidade e do papel a ser exercido. Sem isso, corre-se o risco de banalizar o serviço, escandalizar os fiéis e cair na vala comum das conveniências, do proselitismo barato, da intolerância, das práticas preconceituosas e do uso indevido da fé para promoção pessoal ou de interesses privados.
A fé e a política têm estreita relação. Fazer a boa política é fazer a defesa do bem comum, em favor da justiça, da igualdade, da solidariedade e das condições de vida dignas para todos. Promover a fé é promover a vida e a transcendência humana. Em última análise, fé e política se complementam, como se complementam o papel dos formadores de opinião. 
O que não podemos concordar é com o uso parcial da fé em prol de interesses particulares. Esses interesses particulares vão desde o personalismo de líderes "pop star", até a transformação de igrejas em empresas com faturamentos milionários. Sim, há igrejas cujos "pastores" não cursam teologia; cursam marketing e, no lugar de Filosofia e Teologia estudam psicologia de massa e estratégias de manipulação para exercitar-se na "arte" de amolecer os corações e abrir os cofres das finanças pessoais em benefício da empresa religiosa.
No meio dessas duas posições de uso da igreja para interesses privados está, também, a utilização interesseira e conveniente dos fiéis para fins eleitorais ou eleitoreiros. Considero legítimo que os líderes das igrejas - como formadores de opinião - incluam, com responsabilidade, a política em suas pautas e reflexões. O que avalio como uma afronta é a utilização irresponsável desse status e dos espaços de culto a serviço de práticas condenáveis de difusão de calúnias e difamação, como sabidamente tem ocorrido na atual campanha eleitoral. 
É inadmissível, num Estado Democrático de Direito, com liberdade de culto e de expressão, achar que um líder religioso deva se omitir em questões políticas. Porém, mais absurdo ainda, é admitir que, em nome da boa fé dos seguidores, líderes inescrupulosos vendam mentiras como se fossem verdades supremas e utilizem manobras de forte apelo subjetivo para manipular seus seguidores, em nome de Deus.
Está na hora de consolidar duas verdades importantes, a meu ver. A primeira, que não existe no regime republicano brasileiro qualquer subordinação entre Igreja(s) e Estado. O Estado brasileiro é laico, não-confessional, e a sociedade brasileira sustenta-se e convive fraternalmente num saudável regime de liberdade religiosa e de culto. A segunda é que Fé e política estão relacionadas, queiramos ou não. O apóstolo Tiago afirma numa de suas cartas que "a fé sem obras é morta", e a  política é uma forma importante de transformar a fé em obras. O que precisa ser superada é a prática estreita e mal intencionada de uma em favor da outra. Nem o Estado pode financiar as igrejas e conceder privilégios a seus líderes, e nem a(s) igreja(s) podem servir de espaço de manipulação de fiéis em prol de interesses particulares de seus líderes e padrinhos partidários.
A Lei da Ficha Limpa, por exemplo, é uma grande conquista da sadia interação entre fé e política, pois é fruto de uma ação importante das igrejas, especialmente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Seria o caso de criar uma Lei da Ficha Limpa também para o exercício de liderança religiosa? Não. Essa lei já existe e está nas sagradas escrituras de cada religião e, tenhamos certeza, o juiz que julgará os casos de improbidade religiosa é implacável. Isso também está na Lei Sagrada. 
Líderes políticos e líderes religiosos são pessoas influentes e precisam assumir seus postos com mais responsabilidade. Não existe ainda melhor forma de controle do que aquela feita pelo povo: se o político é ruim, não votemos nele; se o líder religioso é inescrupuloso, abandonemos sua "igreja", já que tais "vocacionados" não passam pelo crivo das urnas.

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