domingo, 5 de setembro de 2010

A VIDA PULSA NA ARIDEZ DO SERTÃO


     À sombra, no final da tarde, o termômetro na rodoviária indica "42°" em Teresina, capital do estado do Piauí. Às 16:30 o ônibus parte em direção a Picos, numa viagem de mais ou menos quatro horas e meia, sertão adentro. 

     Para quem está acostumado à água abundante e a vegetação continuamente verde do sul do Brasil, a aridez do sertão inquieta e instiga. Da terra seca, a poeira é levantada, no meio da vegetação onde poucas plantas apresentam algum tipo de folhagem. A quase totalidade apresenta-se ao viajante, completamente seca. Verde mesmo apenas as palmeiras de babaçu e os cajuzeiros, cultivados pelos sertanejos. Além destes, o ipê é quem dá seu show e desafia todo o cenário de natureza morta, reluzindo como tocha de ouro suas flores de um amarelo vivo e intenso como não via ainda em nenhum outro exemplar da espécie em outra região do país.
Câmara Municipal, à beira do caminho.
     Nas cidadezinhas de casas quase sempre emendadas umas às outras, as famílias sentam-se em suas cadeiras para ver o dia despedir-se e os carros passarem. Em cada vila, uma igrejinha, em estilo antigo, representando a fonte de energia, de esperança e de força das pessoas que vivem arduamente neste chão, no qual só em final de dezembro deverá cair alguma gota de chuva.
     Diferente do que possa pensar um sulista, no ônibus, as conversas dos sertanejos não reclamam da falta de chuva no chão, mas do excesso de corrupção nos órgãos públicos.
Na fé, um refúgio.
"Pois é de dá indignação o senhor saber que nessa cidadezinha aí mesmo é o prefeito que indica tudo que é funcionário, paga uma quantia pequena e faz assinar que recebeu mais. Até professora recebe mesmo duzentos e assina que recebe quinhentos.", me falou realmente revoltada uma senhora mãe de 2 filhos que iam à escola do campo onde, certamente, a maioria dos investimentos que saem do Ministério da Educação nunca chegam, apesar do crescente aperfeiçoamento dos mecanismos e equipamentos de controle. 
Casa de sertanejo, à beira do caminho.
     Quando perguntei porque as pessoas se sujeitavam a essa condição e por que não denunciavam, a resposta foi certeira: "Pois e o senhor acha que o pobre aqui nesse sertão tem a quem recorrer? Em todo o tempo que existe o mundo, o único político que olhou prá esse sertão e não roubou foi Lula e fez a vida melhorar foi muito. mas assim mesmo ainda tem é prefeito que rouba é muito, o senhor sabe?. Mas o pobre tá se levantando. O pobre nunca desiste e agora, aqui no sertão, o pobre tá se levantando e começando falar. E o jeito de Lula tratar o pobre, tá ajudando o pobre do sertão a falar."
      A senhora desembarcou em Ipiranga e eu segui até Picos. Já era noite. Na viagem de volta, dois dias depois, pela manhã, eu seguia ouvindo as conversas do povo no ônibus e olhando a aridez do sertão com outros olhos. Sobre a terra árida e as ramagens secas, a vida pulsa, o povo faz história e a vida está em movimento, buscando transformação e explodindo de indignação. A causa do sofrimento não é a seca, mas a estrutura desigual e corrupta de mandatários que não têm escrúpulos em extorquir o pobre e assaltar os cofres públicos. Pois que eles aguardem, que a força do povo triunfará no sertão e os vencidos de hoje serão os vencedores de amanhã.

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