sexta-feira, 24 de setembro de 2010

FICHA LIMPA, SUPREMA DIVISÃO

Ao cabo de mais de 14 horas de sessão o Supremo Tribunal Federal - STF suspendeu julgamento do de recurso extraordinário contra decisão do TSE que cassou a candidatura do ficha suja Joaquim Roriz, que, envolvido em fortes esquemas de corrupção, renunciou ao mandato do senado para não ser cassado por crime de improbidade administrativa.

Com uma cadeira vaga, o STF dividiu-se ao meio, chegando a um insolúvel empate em 5 votos a 5. De um lado, acompanhando o voto do relator - ministro Ayres Brito, vice-presidente do STF - o grupo que entende e defendeu a tese de que a probidade não pode esperar e que a Constituição já prevê a exigência de considerar a vida pregressa do candidato a cargo eletivo. O outro grupo, incluindo o presidente Peluzzo, defendendo que o candidato, mesmo tendo cometido e sido condenado por crimes de improbidade, não pode ser atingido pela lei, pelo simples fato de que a improbidade foi cometida antes da lei e que a lei só pode ser aplicada a partir de um ano após sua publicação.
Peluzzo e Brito, em lados opostos.

Ora veja, o crime existiu e o criminoso que o cometeu sabia que estava cometendo um crime - e, foi condenado por isso. O fato da Lei da Ficha Limpa surgir depois não altera esse fato: o agora candidato é condenado por crime de improbidade, por bandidagem contra a coisa pública. Não se trata de um crime que não existia e agora passou a existir; trata-se da definição de que quem cometeu determinado crime, e já foi condenado, não pode mais ser aceito como candidato. A novidade é que por ter sido condenado pelo crime cometido, o ficha suja agora é impedido de ter nova chance para continuar cometendo os mesmos crimes, provavelmente, de maneira mais sofisticada para evitar novas condenações. Parece que bandido é assim mesmo, está sempre se aperfeiçoando para andar um passo à frente da Lei, na certeza de que depois apela para a cláusula pétrea de que a lei não pode ser aplicada a crimes cometidos anteriores à sua publicação. 

Entrega do projeto de lei, com milhões de assinaturas. 
O empate sem proclamação de decisão, talvez, reflita a própria condição da sociedade brasileira. Por um lado, uma parcela atuante que se mobiliza e conquista a Lei da Ficha Limpa.  Por outro, a parcela da população que ainda tem dificuldade de recusar e penalizar nas urnas os condenados por crimes contra a administração e o patrimônio público. Hoje, ainda, a decisão de barrar ou não o bandido candidato está nas mãos dos tribunais. Ora, no momento em que evoluirmos todos ao nível da parcela que exigiu a Lei da Ficha Limpa, poderemos nós próprios impor nossa decisão nas urnas. É paradoxal  que conquistemos a lei contra os fichas sujas e, por outro lado, muita gente ainda se disponha votar nos "sujeiras" que não forem eventualmente barrados pela Justiça Eleitoral.

É óbvio que pela trajetória histórica e pela cultura política, neste momento histórico o voto dos juízes é contribuição indispensável. E a esses não é permitido brincar com coisa séria. ao passo que a população tem o direito de fazer a escolha certa, os juízes tem a obrigação, porque estudaram para isso, ocupam cargos de altíssima responsabilidade e são muito bem pagos para isso.  Precisamos, porém, ao mesmo tempo e com maior velocidade, avançar para uma condição em que nossa proteção contra os fichas sujas não dependa prioritariamente do voto dos juízes, mas do nosso próprio voto e participação.

Ayres Brito - "A probidade não pode esperar!"
Em relação à votação do Supremo, ficam algumas dúvidas sobre o desfecho do caso, que se agravou com a nova e irônica renúncia do ficha suja Roriz. Vamos acompanhar e ver para onde vai. Espero, não seja uma grande armadilha para que - não existindo o recurso específico - o Supremo se levante em benefício de todos os demais fichas sujas e contra o conjunto da Lei Complementar nº 135/2010, impondo que a mesma não seja aplicada imediatamente. Ou seja, conto que essa "suprema divisão" seja um marco para separar o retrocesso do avanço, em favor do avanço e não do retrocesso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário