domingo, 25 de novembro de 2012

SABEDORIA DE JARDINEIRO




Era uma vez um sábio que procurava o segredo para ser bom e feliz, e para ajudar as pessoas a serem boas e felizes, também. Nunca se soube seu nome. Sabe-se que nasceu e cresceu dentro dos muros de um castelo longínquo, andando sobre chão de pedras. Terra apenas no canteiro central, coberto de grama, com o aviso “Não pise na grama”.
Desde que aprendeu a andar o grande desejo do sábio era andar sobre a grama e tocar a terra. Aos doze anos tornou-se jardineiro. A cada dia descobria novas técnicas para usar a tesoura e o aparador de grama, para cuidar ainda melhor o jardim gramado e dar alegria às pessoas, trabalhando com amor e criatividade.
Depois de três décadas o sábio jardineiro deixou pela primeira vez os muros do castelo e foi embora. Queria achar outros jardins para dedicar seus cuidados e outras pessoas a quem pudesse dar alegria com seu trabalho. Depois de transpor uma área deserta, na qual só se via terra e mais nada, deparou-se com algo que o deixou surpreso. Muitas casas, separadas entre si por vastos espaços cheios de muito verde. Jamais vira nada igual.
Estranhou, porém, os jardins daquelas casas. Transmitiam uma sensação agradável, mas algo parecia fora de lugar. além da grama, cortada ou não, havia uma infinidade de outras plantas, as quais pareciam abandonadas à própria sorte. Algumas rasteiras, outras baixas e outras altas. chegando a esconder parte da fachada das residências. Suspeitou que esse povo não tinha jardineiro para manter as plantas aparadas, e que ele tinha muito a fazer. Os jardins e as pessoas daquele lugar precisavam de seus serviços. Decidiu que ajudaria as pessoas a colocar seus jardins em ordem.
Na primeira casa em que se apresentou como jardineiro foi aceito, prontamente.
- O senhor é um homem que tem a bondade estampada em seu rosto e inspira confiança no olhar. Fique com a chave, sinta-se em casa e pode tomar conta do jardim. Nós estamos de saída, voltaremos em uma semana.
Foi uma semana dura. Começou pelos arbustos, aparando os mais finos com a tesoura de cortar grama e arrancando os que não conseguia cortar. Alguns, com espinhos, machucaram suas mãos, mas ele continuou com alegria sua missão. Se livrou dos arbustos, depois aparou a grama e a vegetação menor, para que tudo ficasse como ele achava que devia ser. Ao final, estava feliz com o resultado e recebeu a família com um grande sorriso. Os jardins pareciam  perfeitos e a vista da casa estava livre.
O sábio não entendeu, porém, por que a família ficou tão chateada e o dispensou sem qualquer explicação. Triste e confuso, sentou-se numa praça e chorou. Enquanto chorava, sentiu que o frescor daquelas plantas grandes era mais suave que a sombra do castelo. Entendeu em sua humilde sabedoria que para ser jardineiro naquele mundo estranho, precisava descobrir a diferença entre a grama e aquelas plantas todas, a razão das pessoas deixarem-nas crescer e que tipo de cuidados devia dispensar a cada uma.
Descobriu que os arbustos espinhentos eram roseiras, os cipós das soleiras eram trepadeiras, e a árvore com bolinhas pretas no caule se chamava jabuticabeira, cujo fruto de raro sabor era muito apreciado. Ficou sabendo que as plantinhas baixas que cortou com a grama eram amores-perfeitos, violetas, heras, vinca de flores azuis, onze horas e outras tantas espécies que não morriam quando cortadas.
Depois de tudo, o jardineiro sentou-se no centro do jardim e chorou um choro de emoção e felicidade. Entendera o quanto é sublime e exigente a missão de jardineiro. Compreendera que cada planta tem sua própria identidade e exige cuidados específicos, em época certa e com ferramentas adequadas. Não  podia tratar a todas igualmente, nem apará-las da mesma forma. Aprendeu que a tesoura e o aparador de grama são recursos indispensáveis mas não servem para todas as situações. Aprendeu que cultivar é, antes de tudo, respeitar a identidade e as características de cada planta.
Depois de duas décadas de nova jardinagem, seus jardins passaram a ser visitados por pessoas que vinham de todos os cantos da terra. Um dia, observando aquelas pessoas todas em seus jardins, o sábio pensou: Um jardim é uma sociedade de plantas. Se meus cuidados funcionam com plantas, deve funcionar com pessoas.  Se posso ajudar as plantas a produzir felicidade, posso ajudar as pessoas a serem assim, também.  Movido por um profundo amor e por um desejo  incontrolável o sábio decidiu ser jardineiro de pessoas e começou o trabalho.
Duas semanas depois, lá estava ele na mesma praça de antigamente, desapontado e triste, perguntando-se: Se trato cada pessoa em sua singularidade, por que não reagem como eu desejaria? Por que não são como as roseiras que, podadas na hora certa, brotam, revigoram-se e se enchem de belas rosas? Por que não são como as trepadeiras que, ao serem conduzidas para um lado ou outro, cedem, obedecem e não exigem explicações?
Os primeiros raios do sol da manhã tocavam seu rosto. O canto sonoro dos pássaros entrava em seus ouvidos e tocava seu coração. Seu choro havia cessado e sua alma, apesar de inquieta, estava calma. De repente, um diálogo amoroso entre pai e filho interrompeu o silêncio:
- Filho, vem cá. Vamos comprar pipoca pra você.
- Obrigado, querido pai, estou sem vontade de comer pipoca. Estou com vontade de ir ao zoo ver as araras e os leopardos. O senhor me leva?

Ao ver pai e filho seguirem contentes, em direção oposta ao do carrinho de pipocas, o sábio foi tomado de súbita alegria e entendeu o que parece óbvio, mas nem sempre é percebido: diferente dos vegetais, as pessoas têm vontade própria e podem fazer escolhas. E o sábio iniciou, naquele começo de dia, uma nova jornada de descobertas e crescimento. Começou a ser jardineiro de pessoas.